segunda-feira, 25 de março de 2013

O mundo em um prédio



Esse verão minha filha usou um vestido que era meu, na idade dela...

É um daqueles vestidos especiais, de quando moramos na França e o nosso prédio era ocupado por estudantes doutorandos de vários países (com suas devidas familias), todos órfãos de amizades próximas, antigas e sólidas, formando laços instantâneos cheirando a sobrevivência. Nessa época, minhas melhores amigas eram indianas, minha "babá" era venezuelana, viajava nas férias com um amiguinho brasileiro de João Pessoa, dava uma paqueradinha no vizinho da frente (grego), e morria de ciumes do afilhado francês da minha mãe...

O vestido é iraniano... As famílias do bloco tinham esse hábito, talvez começado por alguém inspirado, mas certamente acolhido e perpetuado até tomar conta de boa parte dos apartamentos (bom, eram anos 80... hehe). Trocavam não só cultura de seus países natais, trocavam festas, trocavam objetos nativos...minhas panelinhas de barro, típicas do artesanato aqui de Floripa foram rapidamente espalhadas pelas outras famílias... trocávamos até palavras, nós crianças. Em nosso grupinho de uns dez pirralhos, se falava um dialeto próprio, onde a base era o francês, que se aportuguesava, espanholava, indianava, iranizava e (porque não) até agregava...

Minha família era responsável pelas feijoadas (era uma dificuldade imensa na época de achar os ingredientes), e pelo carnaval que aflorava uma criatividade danada no pessoal, recompesada pela empolgação de pular uma noite inteira ao som dos 3 LPs que tínhamos de samba.

Me lembro com mais exatidão (e saudade) da culinária indiana, e das reuniões (só femininas) cheias de saris, testas pintadas, muita risada e  algumas incredulidades pelos segredos compartilhados... eu ficava bem quietinha no canto de alguma poltrona, torcendo para que minha mãe esquecesse que eu estava ali, e me deixasse continuar escutando... (volta e meia é claro que ela lembrava e me enxotava pro quarto, o que me fazia perder o meio do assunto, porque também é lógico que depois de uns minutos eu voltava sorrateiramente...)

E me lembro com muita felicidade dos natais. Uma vez fomos para uma aldeiazinha, dessas que são minúsculas (quase uma aldeia do Asterix), no alto de uma montanha, com uma família francesa (do filho dessa é que minha mãe foi madrinha). Nunca tinha visto tanta neve na vida... Ficamos em um chalé, no meio de um campo imenso... Andamos de trenó, fizemos boneco de neve, conseguimos fazer metade de um iglu... Na noite de Natal teve uma nevasca... linda de olhar do conforto da janela!
Fiquei até com febre de tanta emoção...

...comecei falando de minha filha e as lembranças me carregaram... A intenção era outro texto, mas foi esse que me escapuliu pelos dedos... Talvez por me dar conta mais uma vez da baita sorte que tive. De conviver com pessoas tão diferentes, contidas em um espaço comum e dando jeito de se dar bem, se ajudar, fazer com que as diferenças acrescentassem. De conhecer espaços tão distantes dessa ilhazona onde nasci... Minha mente de criança ganhou o tamanho do mundo na intensidade de três anos.

...Estou precisando viajar...




P.S.- Vou escanear fotos da época e coloco aqui na sequência!

2 comentários:

  1. Adorei a série mini-cenas do cotidiano... o cotidiano nos conta muitas histórias, as mais piradas às vezes... rs

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    1. ..rs... com 3 gatos, uma cã (que ainda não consegui doar), 2 filhos figuraças e o bando de gente que entra e sai aqui de casa realmente o cotidiano me traz cenas divertidissimas!!

      Minha preferida é essa:
      http://gota-na-poca.blogspot.com.br/2012/02/cenas-do-cotidiano-4.html

      Que bom que você está mesmo por aqui! Bgda pelo comentário!

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