domingo, 3 de junho de 2018

Novas formas de mulher


Quando as novas formas de mulher começaram a surgir no meu corpo adolescente, lembro de não sair da frente do espelho...
Na rua eram camisetões largos, agasalhos, casacos com capuz e tudo o que fosse possível para esconder o que tão surpreendentemente eu descobria de mim. Em casa, passando a porta hermeticamente fechada, meu quarto parecia um camarim de teatro. Se não, um de bordel...
Maquiagem carregada, batons entre tons de vermelho e roxo, quilos de rímel, esmaltes com corante dentro para serem transformados nos coloridos que não existiam na época. Muitas roupas inventadas... e MUITA dança em frente ao espelho! Horas gravando em fitas k7 músicas paridoras de coreografias elaboradamente sensuais e nunca executadas em público.

Mal sabia eu naquele tempo o quão saudável estava sendo. Ao me maquiar, vestir e dançar pra mim mesma, permitia que a expansão dominasse, que minha pele, olhos e movimentos me ajudassem a destrinchar a carga pesada de hormônios liberados no meu corpo em mutação. O olhar firme que o espelho me devolvia, compensava a cabeça abaixada e envergonhada frente aos olhares que eu começava a atrair, nem sempre delicados ou afetivos.
No meu quarto trancado eu treinava confiança, liberdade, amor próprio e sedução. Me apaixonava por mim mesma. Brincava de me bancar. E me dava tempo de crescer...
Já nascia em mim a vontade do autoconhecimento que me move até agora. E a pequena revolucionária que mora na minha barriga despertou de uma vez por todas pra nunca mais adormecer.

Lembrei disso nesse domingo: novas curvas lapidam minhas carnes mais uma vez. Ao me aproximar dos 50, uma nova onda de revoluções internas chega. O ciclo do desconhecido  recomeça...
O olhar no reflexo é bem mais firme, a timidez foi esquecida há muito pelo caminho substituída por uma postura observadora, bem humorada e um tanto irônica. Mas começo a adoçar novamente... Já aprendi há muito sustentar olhares provocantes e famintos. Dos que gostei, juntei-me ao banquete. Porém à gula, hoje misturam-se agora suspiros, sorrisos e uma entrega que me faz fechar os olhos vulneravelmente. A preguiça de brigas se faz mais presente... o mundo não é mais feito a ferro e fogo, e sim de fogo derretendo os metais...
No dia a dia corrido e cheio de tarefas, quando vejo estou parando pra sentir o cheiro da maré, ou a cor do céu. e hoje.... bem.... hoje me peguei cantarolando músicas do meu repertório especial que me ninam a alma...

O espelho físico continua o mesmo. Carreguei-o comigo através de casamento, nascimento de filhos, separações e mudanças de casas. Não tenho espaço suficiente pra dançar na frente dele no meu quarto, onde ficou.
Mas, hoje mudei-o para a sala, bem ao lado do som, dancei E gravei em vídeo! Mas não vou mostrar pra você não! rs

Samanta Hilbert