segunda-feira, 21 de março de 2016

Shamadi X Luxúria

"Pergunta: Amado Prem Baba, eu estou em um relacionamento por mais de 20 anos. Sempre conversamos sobre tudo, então me parece ser um relacionamento transparente. Há alguns anos começamos a experimentar ter um relacionamento aberto, onde os dois estão livres para ter amantes. Nós até conhecemos o amante do outro. Você poderia comentar sobre tal relacionamento?
Prem Baba: Talvez, nesse momento da jornada, vocês estejam precisando viver essa experiência. Apenas estejam atentos, porque a luxúria é a rainha deste mundo, e ela não vai abrir mão do seu trono facilmente. Observe se de fato o coração está se abrindo, e se vocês não estão colocando um relacionamento contra o outro, ou seja, utilizando um relacionamento para fugir do outro.
Esse estágio, onde você experiencia a diversidade, movido pela riqueza das diferenças, pela liberdade, pela espontaneidade e pelo amor, existe, mas é muito raro. Se for o seu caso, você está prestes a se emancipar. Se for um truque do ego, logo você saberá. Não há como não saber, porque, se for um truque do ego, logo o sofrimento vai bater na sua porta.
É muito comum que a luxúria, para continuar exercendo seu poder e domínio, utilize essa artimanha de colocar um relacionamento contra o outro. Isso acontece para escapar da revelação. A revelação é o que mantém a chama erótica acesa, e é o combustível para a intimidade. O mais comum é que, quando a relação pede por revelação, ou seja, pede que você toque nas páginas secretas da sua vida, você fuja. Você foge através de outro relacionamento, com a intenção de pular as páginas do livro. Páginas que envolvem a superação do medo, da obstinação e do orgulho. Quando tais páginas são tocadas, a tendência do amante é de se recolher. Então, você foge buscando outra pessoa ou fica com a mesma, porém fechado, e se defendendo para que a aquela página da sua vida nunca seja revelada.
Por quê? Porque, provavelmente sejam coisas das quais você se envergonha. O isolamento, normalmente é criado pelo medo e pela vergonha. Isso significa que têm episódios da sua vida que você ainda não aceitou. Episódios de humilhação que você não quer entrar em contato e, muito menos, que o outro descubra isso. Daí o isolamento. Você pode estar isolado sozinho, ou isolado dentro de um casamento de muitos anos. Somente as superfícies se encontram, e os centros não podem se tocar, porque esses muros do medo e da vergonha (além de outros sentimentos) estão entre eles.
Naqueles casais onde a moral religiosa é muito forte, eles acabam ficando juntos, muitas vezes, movidos pelo medo de desagradar à família, o padre ou Deus (o medo das consequências, afinal, você se casou para a vida toda e tem que ficar junto até que a morte vos separe). É possível que, por conta desse medo, você permaneça na relação, porém fechado, esperando a morte chegar e trazer a solução para o problema.
Se você não carrega essa moral religiosa tão aguda, você parte para a variedade, e começa a se relacionar com pessoas diferentes, movido pela crença de que em algum momento você encontrará a pessoa perfeita. Talvez movido pela síndrome de Walt Disney - a crença de que vai encontrar o príncipe encantado ou a princesa encantada, e será feliz para sempre. Mas, quando o encontro esbarra naquela página que você precisa manter trancada em negação, você se fecha e, então, vai passar um tempo “trocando seis por meia dúzia”, até que chega uma hora em que você perde a esperança e começa a acreditar que não nasceu para isso: “É melhor virar brahmacharya porque isso não é para mim”. Por que isso não é para você? Porque você não desenvolveu habilidade para lidar com o seu lado escuro, e a relação vai tocar no seu lado escuro. Ela vai tocar naquelas páginas da vida onde existem coisas difíceis – a página da vergonha, do medo. Aquelas páginas que você protege de todas as formas.
Eu tenho um casal de devotos que está em crise. (risos) Ok, eu sei: Quem não está em crise? Mas, esse está passando por uma crise bem intensa. E o rapaz, na intenção de fazer um exercício de autoconhecimento, colocou no papel todo o “não” dele para a relação. Ele deixou o “não” falar e foi escrevendo, de uma forma autobiográfica - o quanto ele odiava, o quanto a luxúria atuava. Ele foi escrevendo todos os detalhes. Só que ele deixou isso tudo em cima da mesa. Não sei onde exatamente, mas a moça pegou e leu tudo. (risos) Nós estamos rindo, porque precisa ter senso de humor para lidar com isso. Mas, eles não estão nada bem humorados. Porque tudo o que estava sendo negado, veio para fora de uma forma muito destrutiva. Essa foi a forma que foi possível. Chega uma hora em que a entidade se sente tão sufocada, que ela tem que dar um jeito de resolver a situação. A consciência queria que fosse diferente, mas existem muitas instâncias inconscientes que, justamente por estarem inconscientes, agem à revelia da vontade. Elas traem a consciência.
Por mais difícil que essa situação seja, eu vejo como uma benção. Porque esse é um passo verdadeiro em direção à amizade. E, antes de serem amantes, deve haver amizade. Isso se a intenção é se mover na direção do amor. Há que se ter a disposição de receber a revelação do outro, assim como há que se ter a disposição de se revelar para o outro, mesmo que seja muito desagradável. Às vezes, a revelação é tão difícil que você não consegue segurar e se afasta. Você precisa romper a relação, mesmo que esse rompimento não signifique a cura da relação. É apenas um remédio amargo, mas você precisa desse afastamento para elaborar algumas coisas.
Porém, a cura somente se completa quando chega ao coração; quando chega na amizade, na compreensão e no perdão. E, novamente na união, mesmo que não seja uma união de amantes.
O foco da relação deve estar em se mover para o coração, até que em algum momento, você possa completar o seu estudo, que é encontrar o masculino e o feminino dentro de você.
Repetidas vezes eu trouxe durante essa temporada, a importância de uma atenção especial, para que você identifique quem em você está se relacionando com o outro – porque e para quê. Muito embora o relacionamento seja a universidade da vida, existem alguns que querem continuar eternamente nessa universidade. Embora a vida esteja sinalizando que o curso terminou, ou esteja terminando.
O ego é muito astuto. Falando mais especificamente, a luxúria é muito astuta. Ela não vai querer abrir mão de você muito facilmente. Eu estou falando de vício – o vício na codependência. Em algum momento, você vai ter que usar a espada da vontade para se livrar desse vício. Até porque essa felicidade que você está procurando, você não vai encontrar no relacionamento. A felicidade duradoura que você está buscando, não se encontra no relacionamento. Por mais importante que seja o relacionamento com o outro, é somente uma passagem. É possível que o karma determine que você fique com essa pessoa a vida inteira, e não há nada de errado com isso. Mas, o engano está em você acreditar que você vai encontrar a felicidade e a paz duradoura nessa relação.
Essa felicidade você somente encontra em Deus; você encontra dentro do seu coração. O outro é uma ponte para que você possa se voltar para o seu coração. Mas, eu tenho visto muitos dos meus amigos, viciados no outro. E esse vício te lança ao sofrimento irremediavelmente. Porque, em algum momento, dentro desse estudo que é o relacionamento, você se perdeu. Você ficou identificado com algum aspecto do seu psiquismo, da sua criança ferida, projetando os pais no outro, sem nenhuma consciência disso. Assim, você desperdiça a vida tentando transformar o outro, e fazer dele aquilo que você acredita que ele tem que ser. Isso é impossível.
O outro, durante uma fase da jornada, é o seu mestre. Porque está iluminando muitos campos do seu corpo emocional que ainda estão em negação, e que insistem na guerra; insistem em dominar e fazer do outro o seu escravo; insistem em machucar e ser machucado. Então, durante uma fase, o outro tem esse poder de te ajudar a perceber que existem pactos de vingança e pontos de ódio que precisam ser iluminados. Conforme esses pontos vão sendo iluminados e transformados, você começa a desvendar o amor e a ter uma relação íntima e amorosa com o outro.
É nesse momento que o tantra pode entrar na sua vida, para ajudar a energia subir para o coração; para unir a energia sexual com o amor. Esse é um dos maiores desafios para o ser humano. Porque essa unificação da corrente sexual com o amor, produz um êxtase muito profundo que a entidade teme. É um vislumbre do samadhi, do êxtase cósmico. E, se a entidade está identificada com o escuro, ela teme desaparecer. Assim, ela acaba insistindo em manter o jogo do ‘eu’ inferior.
Mas, quando ela está atenta na auto-observação, ela identifica essas armadilhas e continua a jornada rumo ao coração, e para além dele - que é esse movimento de emancipação, ou seja, a unificação do feminino e do masculino, dentro.
Dentro desse movimento em direção à emancipação, é possível que haja essa experiência de variedade, onde você não joga uma relação contra a outra. Mas, eu volto a dizer que esse é um caso raro. Eu rezo para que seja o seu caso." (Prem Baba)

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