terça-feira, 14 de maio de 2013

Conto... parte 1







Ele reclamava. O tempo todo.

Era daquelas coisas que já haviam virado hábito... A primeira e a última coisa que fazia todo dia.  A respeito de qualquer assunto, afinal tudo tem seu lado bom e seu lado ruim, a especialidade dele era achar o ruim e destrincha-lo minuciosamente  em detalhes inteligentes e argumentos irrefutáveis. Ninguém ganhava dele em uma discussão. Havia treinado exaustivamente a retórica.

Poderia ter sido um grande homem. Tinha estofo para tanto. Possuia uma combinação de racionalidade e emoção raras de encontrar. Raras... Era mesmo um homem raro. Inusitado. Cheio de surpresas e profundidades inesperadas. E de fugas. Fugas de si mesmo seriam? É provável... não deve ser muito fácil ter tantas complexidades em si... Saber quando deve usar qual opção emocional, e quando deve ser só racional...

Ela. Ela estava sempre de bom humor. Extrapolava, se é que me entendem. Era boba. Boba de amor, ou talvez boba de falta de amor... Dependendo do ângulo que se olhasse, podia ser qualquer uma das duas coisas. Ocupada, atrapalhada, fazia dele sua esperança secreta... Sua válvula de escape. O lugar onde podia mentir pra si mesma em relativa segurança...

Na sua própria pobre concepção era uma grande mulher. Conseguia sobreviver com certa paz de espírito, encontrando prazeres em pequenas coisas e  não se permitindo sonhar muito alto. É mais fácil alcançar sua meta quando colocamos essa meta logo ali na frente... Mas se auto enganava só parcialmente: tinha mais consciência do que gostaria. E à medida que o tempo passava ficava cada vez mais difícil não enxergar.

Eles não se conheciam realmente. Cada um colocava no outro mais expectativa do que poderia sobreviver à realidade. Mas haviam feio um acordo mútuo e mudo de se apoiarem nas fantasias e servirem de telas para irrealidades. Um contrato cheio de 'finjo que acredito'.

Não me entendam mal. Não eram pessoas vistas como doentes. Suas vidas eram perfeitamente aceitáveis socialmente. Na maioria do tempo saiam quando deviam sair, demonstravam pesar adequadamente, cuidavam dos seus deveres razoavelmente.

Só destoava porque ele reclamava. E ela sorria demais.



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